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Theo Craveiro considerou muitas imagens de obras que tivessem uma estrutura geométrica e ordenada para poder transformar em um formigueiro. O artista acabou por criar uma situação ambígua ao escolher, por intuição e afeto, uma das pinturas da série [[Ideia visível]] (1956) de Waldemar Cordeiro.
 
Theo Craveiro considerou muitas imagens de obras que tivessem uma estrutura geométrica e ordenada para poder transformar em um formigueiro. O artista acabou por criar uma situação ambígua ao escolher, por intuição e afeto, uma das pinturas da série [[Ideia visível]] (1956) de Waldemar Cordeiro.
  
Obra chave do [[concrestismo brasileiro]] — importante movimento artístico de 1956 — [Ideia visível] hoje se encontra na coleção do Museu de Belas Artes de Houston, nos Estados Unidos, após ser vendida junto com outras cerca de 100 obras de arte construtiva e neoconcreta brasileiras pelo colecionador [[Adolpho Leirner]], em 2007.  A venda causou espanto e debate no meio artístico, que lamentou a perda de um importante conjunto que, segundo o colecionador, não poderia ser bem conservada (ou cuidada) no país.
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Obra chave do [[concrestismo brasileiro]] — importante movimento artístico de 1956 — [[Ideia visível]] hoje se encontra na coleção do Museu de Belas Artes de Houston, nos Estados Unidos, após ser vendida junto com outras cerca de 100 obras de arte construtiva e neoconcreta brasileiras pelo colecionador [[Adolpho Leirner]], em 2007.  A venda causou espanto e debate no meio artístico, que lamentou a perda de um importante conjunto que, segundo o colecionador, não poderia ser bem conservada (ou cuidada) no país.
  
 
A produção de Cordeiro dos anos 50, em sintonia com o programa do movimento concreto, buscava dar visibilidade a um princípio racional ou ideia. “A obra não contem uma ideia, é ela mesma uma ideia”, certa vez afirmou o artista. Para isso, inventava obras abstratas, orientadas pela racionalidade da matemática e que não fossem representativas da realidade.  
 
A produção de Cordeiro dos anos 50, em sintonia com o programa do movimento concreto, buscava dar visibilidade a um princípio racional ou ideia. “A obra não contem uma ideia, é ela mesma uma ideia”, certa vez afirmou o artista. Para isso, inventava obras abstratas, orientadas pela racionalidade da matemática e que não fossem representativas da realidade.  
  
Ao se apropriar da estrutura da pintura [Ideia visível] para a criação de um viveiro de formigas,  Theo Craveiro confronta o projeto de Cordeiro e apresenta a realidade (ao menos biológica) em si.  A transparência do vidro do trabalho torna visível a vida da própria obra, que agora tem que ser cuidada e alimentada para continuar viva. Comida e climatização chegam às formigas por entradas na moldura desse ser vivo que é o quadro.
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Ao se apropriar da estrutura da pintura [[Ideia visível]] para a criação de um viveiro de formigas,  Theo Craveiro confronta o projeto de Cordeiro e apresenta a realidade (ao menos biológica) em si.  A transparência do vidro do trabalho torna visível a vida da própria obra, que agora tem que ser cuidada e alimentada para continuar viva. Comida e climatização chegam às formigas por entradas na moldura desse ser vivo que é o quadro.
  
 
Enquanto as pinturas de Cordeiro eram suporte de investigação sobre a arte e seu lugar na construção da sociedade segundo moldes operacionais e uma racionalidade modernizadora, os formigueiros de fato são considerados, ao menos popularmente, sociedades ideais em termos de organização, eficiência e limpeza. No entanto, a justaposição desses dois universos – a investigação artística e a organização do formigueiros —  termina por constituir um panorama complexo e contraditório na medida em que torna visível a situação na qual os seres vivos – no caso, as formigas — vivem e realizam o seu incessante trabalho não só presas, mas também inescapavelmente subordinadas pela macroestrutura de um programa artístico desenhado a priori.
 
Enquanto as pinturas de Cordeiro eram suporte de investigação sobre a arte e seu lugar na construção da sociedade segundo moldes operacionais e uma racionalidade modernizadora, os formigueiros de fato são considerados, ao menos popularmente, sociedades ideais em termos de organização, eficiência e limpeza. No entanto, a justaposição desses dois universos – a investigação artística e a organização do formigueiros —  termina por constituir um panorama complexo e contraditório na medida em que torna visível a situação na qual os seres vivos – no caso, as formigas — vivem e realizam o seu incessante trabalho não só presas, mas também inescapavelmente subordinadas pela macroestrutura de um programa artístico desenhado a priori.

Edição das 18h47min de 7 de setembro de 2010

FORMIGUEIRO-1.png

Formigueiro

Theo Craveiro

Theo Craveiro considerou muitas imagens de obras que tivessem uma estrutura geométrica e ordenada para poder transformar em um formigueiro. O artista acabou por criar uma situação ambígua ao escolher, por intuição e afeto, uma das pinturas da série Ideia visível (1956) de Waldemar Cordeiro.

Obra chave do concrestismo brasileiro — importante movimento artístico de 1956 — Ideia visível hoje se encontra na coleção do Museu de Belas Artes de Houston, nos Estados Unidos, após ser vendida junto com outras cerca de 100 obras de arte construtiva e neoconcreta brasileiras pelo colecionador Adolpho Leirner, em 2007. A venda causou espanto e debate no meio artístico, que lamentou a perda de um importante conjunto que, segundo o colecionador, não poderia ser bem conservada (ou cuidada) no país.

A produção de Cordeiro dos anos 50, em sintonia com o programa do movimento concreto, buscava dar visibilidade a um princípio racional ou ideia. “A obra não contem uma ideia, é ela mesma uma ideia”, certa vez afirmou o artista. Para isso, inventava obras abstratas, orientadas pela racionalidade da matemática e que não fossem representativas da realidade.

Ao se apropriar da estrutura da pintura Ideia visível para a criação de um viveiro de formigas, Theo Craveiro confronta o projeto de Cordeiro e apresenta a realidade (ao menos biológica) em si. A transparência do vidro do trabalho torna visível a vida da própria obra, que agora tem que ser cuidada e alimentada para continuar viva. Comida e climatização chegam às formigas por entradas na moldura desse ser vivo que é o quadro.

Enquanto as pinturas de Cordeiro eram suporte de investigação sobre a arte e seu lugar na construção da sociedade segundo moldes operacionais e uma racionalidade modernizadora, os formigueiros de fato são considerados, ao menos popularmente, sociedades ideais em termos de organização, eficiência e limpeza. No entanto, a justaposição desses dois universos – a investigação artística e a organização do formigueiros — termina por constituir um panorama complexo e contraditório na medida em que torna visível a situação na qual os seres vivos – no caso, as formigas — vivem e realizam o seu incessante trabalho não só presas, mas também inescapavelmente subordinadas pela macroestrutura de um programa artístico desenhado a priori.