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De à sombra do futuro
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m "Pierre Menard, autor do Quixote" (1939), Jorge Luis Borges relata a fictícia e inacreditável história do personagem título que, ao rescrever linha por linha, palavra por palavra, o famoso livro de Cervantes, escreve uma versão "quase infinitamente mais rica" que a antiga. A operação de Menard se dá não pela criação de um objeto propriamente dito, mas pela retificação simbólica de algo já previamente existente. Por um lado, configura um juízo sobre o objeto e sua história, ao mesmo tempo que, por outro, lhe atribui significância, atual e futura, diversa daquela do original. Sob a pena de Menard, ou melhor, a de Borges, o Quixote de Cervantes — o Cavaleiro da Triste Figura que, após entregar-se à leitura de romances de cavalaria, resolve sair pelo mundo seguindo fantasias que não condizem com a realidade —  transfigura-se sem deixar rastros. Passa a contar-nos uma história invisível na qual se justapõem objeto e significado, de modo que o primeiro passa a ser, de certo modo, somente o correlato material do processo especulativo que vem a configurar o segundo.
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Em "Pierre Menard, autor do Quixote" (1939), Jorge Luis Borges relata a fictícia e inacreditável história do personagem título que, ao rescrever linha por linha, palavra por palavra, o famoso livro de Cervantes, escreve uma versão "quase infinitamente mais rica" que a antiga. A operação de Menard se dá não pela criação de um objeto propriamente dito, mas pela retificação simbólica de algo já previamente existente. Por um lado, configura um juízo sobre o objeto e sua história, ao mesmo tempo que, por outro, lhe atribui significância, atual e futura, diversa daquela do original. Sob a pena de Menard, ou melhor, a de Borges, o Quixote de Cervantes — o Cavaleiro da Triste Figura que, após entregar-se à leitura de romances de cavalaria, resolve sair pelo mundo seguindo fantasias que não condizem com a realidade —  transfigura-se sem deixar rastros. Passa a contar-nos uma história invisível na qual se justapõem objeto e significado, de modo que o primeiro passa a ser, de certo modo, somente o correlato material do processo especulativo que vem a configurar o segundo.
  
 
[[Arquivo:Deyson_Gilbert_-_Bandeira.png|200px|thumb|left|Imagem da obra de Deyson Gilbert, apenas um teste]]
 
[[Arquivo:Deyson_Gilbert_-_Bandeira.png|200px|thumb|left|Imagem da obra de Deyson Gilbert, apenas um teste]]

Edição das 08h08min de 7 de setembro de 2010

Em "Pierre Menard, autor do Quixote" (1939), Jorge Luis Borges relata a fictícia e inacreditável história do personagem título que, ao rescrever linha por linha, palavra por palavra, o famoso livro de Cervantes, escreve uma versão "quase infinitamente mais rica" que a antiga. A operação de Menard se dá não pela criação de um objeto propriamente dito, mas pela retificação simbólica de algo já previamente existente. Por um lado, configura um juízo sobre o objeto e sua história, ao mesmo tempo que, por outro, lhe atribui significância, atual e futura, diversa daquela do original. Sob a pena de Menard, ou melhor, a de Borges, o Quixote de Cervantes — o Cavaleiro da Triste Figura que, após entregar-se à leitura de romances de cavalaria, resolve sair pelo mundo seguindo fantasias que não condizem com a realidade — transfigura-se sem deixar rastros. Passa a contar-nos uma história invisível na qual se justapõem objeto e significado, de modo que o primeiro passa a ser, de certo modo, somente o correlato material do processo especulativo que vem a configurar o segundo.

Imagem da obra de Deyson Gilbert, apenas um teste

É a partir da reconfiguração crítica proposta por Borges, das noções de valor e história subjacentes à sua narrativa, que esta exposição visa estabelecer uma reflexão a respeito do modo como especulações, projetos e expectativas atuam influentemente tanto sobre o futuro quanto sobre o presente e o passado nos âmbitos econômicos, políticos, sociais e artísticos/culturais.


As diferentes proposições artísticas da exposição articulam, cada uma a seu modo, aspectos variados dessas questões. No conjunto, delineiam um quadro complexo, no qual são figurados e analisados procedimentos de retificação simbólica e valorativa, formulação de projetos, construção de identidade, especulação econômica e conceitual, apropriação e rearticulação formal, entre outros. Além disso, sem perder de vista o contexto vivenciado pelo Brasil na atualidade — dado, por exemplo, por sua inserção e crescimento no cenário político-econômico global, a descoberta e exploração do Pré-Sal e a escolha para sediar os Jogos Olímpicos (2016) e a Copa do Mundo (2014) —, a exposição conta com a presença de documentos diversos, oferencendo ao público um lastro mais inteligível quanto ao conteúdo crítico, por vezes somente tácito, dos trabalhos. Revistas, pôsteres, jornais e obras estabelecem, deste modo, um constante diálogo entre si, delineando uma visão poética e crítica do atual panorama histórico-político-social.